Introdução Tumores
primários do sistema nervoso central (SNC) são, depois das neoplasias
hematológicas, os tumores mais comuns da faixa etária pediátrica.
Dentre estes, os gliomas são as neoplasias mais freqüentes, perfazendo
mais da metade desses tumores ().
Os astrocitomas pilocíticos são astrocitomas de baixo grau (grau
I da Organização Mundial da Saúde - OMS), de etiogênese
incerta, parecendo derivar de astrócitos bipolares de região subependimária
e cerebelar ().
Os autores apresentam os achados clínicos e histopatológicos de
6 casos de astrocitomas pilocíticos. Raros relatos desta entidade estão
presentes na literatura latino-americana (,). Relato
dos Casos Este trabalho deriva de uma linha de pesquisa denominada Banco
de Patologia Tumoral do Sistema Nervoso Central da População da
Cidade de Curitiba, que tem como objetivo centralizar todos os dados referentes
aos tumores de SNC que acometem a população dessa cidade e sua região
metropolitana. A pesquisa tem o intuito de analisar epidemiologicamente os principais
tumores do SNC. Para tanto, foram pesquisados os livros de registros ou
arquivos de biópsias do período de 1990 a 1994 dos Serviços
de Anatomia Patológica do Hospital de Clínicas, Hospital Nossa Senhora
das Graças, Hospital Erasto Gaertner, Hospital Infantil Pequeno Príncipe,
Hospital das Nações, Hospital Evangélico, Hospital Santa
Cruz e Santa Casa de Misericórdia, principais hospitais da cidade de Curitiba
e responsáveis por mais de 95% da rotina neurocirúrgica do município.
Do total de biópsias de diversos órgãos e tecidos
realizadas nesse período, foram anotadas as de sistema nervoso central,
pesquisando-se sexo, idade, localização tumoral e diagnóstico
histológico. Desse total, foram separados os astrocitomas pilocíticos,
avaliando-se estatisticamente as variáveis sexo, idade e localização
tumoral. Os dados clínicos dos pacientes foram obtidos dos prontuários
médicos. Todas as biópsias foram preparadas conforme técnicas
histológicas convencionais, e alguns casos selecionados foram estudados
por microscopia eletrônica e imunohistoquímica (,). No
período de 1990 a 1994 foram realizadas 2371 biópsias de sistema
nervoso central (SNC). Na faixa pediátrica ocorreram 481 tumores, sendo
que 353 eram neoplasias primárias de SNC (73,38%) e, dentre estas, 177
eram tumores gliais (50,14%) nos quais encontramos seis casos de astrocitoma pilocítico.
Cinco desses tumores acometeram pacientes do sexo feminino e um ocorreu em paciente
do sexo masculino. As idades variaram de 1 a 8 anos, com média de 4,5 anos
de idade. Quanto à localização, 3 acometeram quiasma óptico,
2 ocorreram em hemisfério cerebral (Figura 1), na linha média, e
o outro encontrava-se no III ventrículo. Os sinais e sintomas observados
incluíram cefaléia, vômito, papiledema, irritabilidade, astenia,
dificuldade para deambular, diminuição da acuidade visual, amaurose,
nistagmo, tremores; hidrocefalia; sonolência e até coma. Os pacientes
foram submetidos a cirurgia para ressecção total ou subtotal do
tumor, quimioterapia e derivação ventrículo-peritoneal. Três
pacientes foram a óbito, com sobrevida média de 45 dias após
a cirurgia, e três estão vivos (Tabela 1). Do ponto de vista histológico,
todos os casos correspondem a astrocitomas pilocíticos do tipo juvenil
(Figuras 2 e 3), em que a detecção de fibrilas gliais é possível
por microscopia eletrônica (Figura 4). Discussão A
etiologia dos astrocitomas pilocíticos é incerta parecendo derivarem
de astrócitos alongados e bipolares encontrados na região subependimária,
na glia de Bergmann do cerebelo e na glia radial em nível fetal. Os astrocitomas
pilocíticos são considerados como grau I na escala de malignidade
proposta pela OMS, isto é, tumores de crescimento lento e bem diferenciados
(). Os
astrocitomas pilocíticos acometem freqüentemente pacientes jovens
e usualmente ocorrem no hipotálamo, cerebelo, tronco cerebral, III ventrículo
e trato óptico. A maioria encontra-se localizada na linha média,
como pode ser detectado na presente série, onde, entretanto, um dos casos
foi de localização atípica (,).
Há duas variantes de astrocitoma pilocítico. A primeira é
denominada tipo adulto e caracteriza-se por bandas de células fibrilares
intensamente compactas de arranjo bipolar. Essa variante não tem relação
com vasos sangüíneos e demonstra pouca ou nenhuma tendência
para degeneração Tabela 1 -
Casos relatados Figura 1 - Tomografia
computadorizada do caso 1 demonstrando extensa lesão de linha média,
heterogênea, acometendo terceiro ventrículo com expansão supratentorial
determinando hidrocefalia microcística. Em alguns locais, astrócitos
estrelados e gemistiocíticos podem ser identificados. O astrocitoma pilocítico
do tipo adulto tende a ocorrer em pacientes de maior idade, e há possibilidade
de apresentar alterações anaplásicas. A segunda variante,
a qual é mais comum, é chamada de juvenil por acometer pacientes
jovens e também porque as células tumorais podem representar um
tipo morfologicamente simples de glia formadora de fibras, daí o termo
espongioblastoma polar, o qual era originalmente usado para a sua designação.
Nesta variante, as células tumorais são mais alongadas, finas e
relacionadas com os vasos sangüíneos, acompanhando-os longitudinalmente.
Apesar de fibrilas serem facilmente demonstráveis no citoplasma celular,
há pequena ou nenhuma tendência de formação de matriz
fibrilar intercelular, pelo contrário, áreas distantes dos vasos
sangüíneos têm aparência rarefeita, são pobremente
celulares, e são justamente essas áreas que têm potencial
para sofrer degeneração microcística. Onde essas áreas
são bem preservadas, as células não são pilocíticas,
e sim estreladas. Todos os casos da presente casuística pertencem à
esse subtipo histológico (,).
Presença de fibras de Rosenthal é freqüente nessa neoplasia.
Na maioria dos casos não há proeminência de vascularização,
nem pleomorfismo, mas sua presença não exclui o diagnóstico
(,).
Positividade para proteína glial ácida fibrilar é detectada
através da imunohistoqüímica (,). A
história natural dessa neoplasia pode ser muito lenta, mas geralmente há
um período de 3 meses entre o aparecimento das primeiras manifestações
clínicas e o início do tratamento. Os achados clínicos dependem
da localização do tumor, sendo comuns os sintomas de hipertensão
intracraniana e, quando localizado em fossa posterior, os sintomas de hidrocefalia
oclusiva ().
Em nosso estudo, 4 pacientes apresentaram sintomas condizentes com síndrome
de hipertensão intracraniana, e 2 tiveram manifestações iniciais
constituídas por distúrbios visuais. O diagnóstico
dos astrocitomas pilocíticos é estabelecido aliando-se os achados
clínicos aos exames de imagem e é comprovado pelo estudo anátomo-patológico.
Em algumas situações a manifestação clínica
é discrepante do grande tamanho tumoral conforme visto no caso 1 desta
série. O tratamento de escolha para os astrocitomas pilocíticos
é a remoção cirúrgica total ou subtotal do tumor16.
Radioterapia ou quimioterapia pós-operatória só é
indicada para os pacientes em que a ressecção total não pôde
ser realizada. A dose preconizada da radioterapia é de 4500-6000 rads.
No passado preconizava-se irradiação de todos os gliomas, independentemente
do grau, porém detectou-se que a radioterapia não influenciava na
sobrevida dos pacientes com glioma de baixo grau e, além disso, foi notado
maior risco de neoplasia secundária do SNC ao longo da vida dos pacientes
que receberam radioterapia. A quimioterapia pode também ser outro recurso
de tratamento desses tumores. Os agentes mais usados são actinomicina D,
vincristina, 5- fluoruracil, hidroxiuréia e nitrosuréia. Os resultados
são semelhantes aos da radioterapia. A quimioterapia vem sendo usada principalmente
para diminuir o tempo de recorrência do tumor e em crianças menores
de 3 anos, em que a radioterapia deve ser evitada (,).
Em um dos nossos casos foi utilizada quimioterapia, sendo que os agentes quimioterápicos
usados foram cisplatina e toposide. O prognóstico depende da localização
do tumor e da natureza histológica do astrocitoma. Astrocitomas pilocíticos
têm melhor prognóstico do que os outros astrocitomas, por serem lesões
de baixo grau. Em recente estudo realizado por Minehan e cols., os elementos histológicos
Figura 2 - Corte
histológico de astrocitoma pilocítico tipo juvenil composto por
células alongadas em matriz discretamente fibrilar com tendência
à microcistificação. Ausência de proliferação
vascular ou necrose (V=Vaso). HE x 400 Figura 3 - Corte
histológico de astrocitoma pilocítico tipo juvenil demonstrando
área compacta com Corpúsculo de Rosenthal (seta). Nesta lesão
pode haver discreta variabilidade nuclear sem prognóstico de malignidade.
HE x 400 realizado por Minehan e cols., os elementos histológicos
estatisticamente significativos para a avaliação prognóstica
com maior sobrevida incluíram: padrão de crescimento pilocítico,
grau I na escala de malignidade, ausência de atipia nuclear, baixa celularidade,
presença de fibras de Rosenthal e de vasos hialinizados. Neste estudo detectou-se
na presença de fibras de Rosenthal uma sobrevida de 85%, enquanto na sua
ausência a sobrevida caiu para 45% ().
Apesar da ressecção total do tumor ser curativa, recomenda-se longo
tempo de acompanhamento dos pacientes, devido à vagarosa progressão
da neoplasia e a possibilidade de transformação para astrocitoma
anaplásico, principalmente nos tipos adultos. Preconiza-se fazer estudos
de imagem a cada 4 meses no primeiro ano e a cada 6 meses nos próximos
2 anos ().
Os astrocitomas que se estendem anteriormente ao quiasma óptico são
menos agressivos do que os que envolvem as regiões do quiasma óptico
e hipotálamo ().
A recorrência do tumor ou progressão para malignidade é incomum
e metástases são raramente relatadas ().
Em nossa série os óbitos ocorridos foram diretamente relacionados
às complicações pós-operatórias ou ao aumento
súbito da pressão intracraniana e, portanto, não diretamente
relacionadas ao comportamento biológico da neoplasia. Figura 4
- Microscopia
eletrônica de astrocitoma pilocítico tipo juvenil demonstrando astrócitos
neoplásicos com núcleos (N) heterocromático e citoplasma
(C) alongado com fibrilas gliais. Acetato de uranila / citrato de chumbo x 10000 |