Introdução
A púrpura trombocitopênica idiopática (PTI)
é uma doença de provável etiologia autoimune,
que acomete crianças e adultos em uma incidência estimada
de 10-125 por 1.000.000 de pessoas por ano().
É definida como uma trombocitopenia isolada com nenhuma outra
condição clínica associada, ou outras causas
de trombocitopenia (infeção por HIV, lúpus
eritematoso sistêmico, doenças linfoproliferativas,
mielodisplasias e trombocitopenias induzidas por drogas)().
Atinge principalmente crianças, nas quais o pico de acometimento
é entre 2 e 4 anos de idade, acometendo meninos e meninas
na mesma proporção().
A PTI manifesta-se por sangramento mucoso e dérmico, sendo
que hemorragias graves, como as intracranianas, ocorrem em apenas
0,5% a 1% dos casos().
Em cerca de 85% dos casos a evolução é benigna
e auto-limitada, com recuperação espontânea
e completa em até 6 meses().
O diagnóstico é baseado na história, no exame
físico e na exclusão das causas de trombocitopenia.
Ocorre geralmente após episódio de infecção
viral, mas já foram relatados casos de PTI que se manifestaram
após vacinas como a tríplice viral (Sarampo, Rubéola
e Caxumba)(,)
e contra Hepatite B().
A vacina contra Hepatite B é geralmente bem tolerada, com
poucos efeitos colaterais, mas vários casos de trombocitopenia
após a vacina recombinante foram descritos na literatura().
Atualmente, em São Paulo, a vacina contra Hepatite B está
sendo aplicada em todas as crianças ao nascimento e após
1 e 6 meses. Em julho de 1999 observamos outro provável caso
de PTI após vacina de Hepatite B em uma criança de
1 mês e 16 dias de vida.
Relato de Caso
L.A.M.S., sexo feminino, nascida a termo em 04.06.1999, parto cesárea,
peso 2920g. Pré-natal sem patologias, com sorologias (HIV,
Toxoplasmose, Rubéola e Sífilis) negativas.
Com 12 dias de vida tomou a primeira dose da vacina contra Hepatite
B.
A mãe referiu aparecimento de brotoejas em face
aos 15 dias de vida, que melhoraram com hidrocortisona tópico.
Foi vacinada com BCG, primeira dose para Haemophilus influenzae
e a segunda dose contra Hepatite B com 1 mês e 15 dias de
vida.
Deu entrada no pronto-socorro do Hospital das Clínicas em
20.07.1999, com 1 mês e 16 dias de idade, com queixas de petéquias
em face, mãos e pés, e equimose em coxas, havia uma
semana. Negava febre ou infecções prévias.
Ao exame físico, apresentava-se em bom estado geral, com
petéquias pelo corpo e em pálato. O fígado
encontrava-se a 1,5 cm do rebordo costal direito e o baço
era impalpável. Não foram encontradas outras alterações.
Os exames laboratoriais indicaram inicialmente pancitopenia, além
de coagulograma normal, e sorologias para sífilis, toxoplasmose,
rubéola e citomegalovírus negativas (Tabela 1). Foi
solicitado um mielograma, que revelou o seguinte:
Tabela 1 -
Exames laboratoriais durante a internação hospitalar
e alterações após administração
de imunoglobulina endovenosa
séries granulocítica, vermelha e linfo-mono-plasmocitária
normocelulares e normomaturativas;
série megacariocítica normocelular, com plaquetopoiese
diminuída, observando-se predominantemente megacariócitos
granulares acidófilos sem plaquetas (sugestivo de púrpura
trombocitopênica idiopática). Como as plaquetas haviam
caído para 12.000/mm³, foi iniciado tratamento com imunoglobulina
endovenosa na dose de 400mg/kg/dose, a qual foi mantida por 5 dias.
Dois dias após o início do tratamento evoluiu com
melhora da plaquetopenia: 311.000/mm³ plaquetas.
A criança recebeu alta após 5 dias de tratamento,
com 780.000 plaquetas por mm³. Foi reavaliada após um
mês, mantendo plaquetas de 620.000/mm³.
Discussão
Uma relação causal entre a vacina de Hepatite B e
a PTI é difícil de ser comprovada. A trombocitopenia
pós-vacinal continua sendo um diagnóstico de exclusão,
quando outras possíveis causas de trombocitopenia são
descartadas, e o tempo de latência entre a vacina e o aparecimento
dos sintomas sugere esta relação.
Na literatura, foram relatados diversos casos de trombocitopenia
pós-vacinal. Em 1994, Poullin e Gabriel()
descreveram 2 casos de PTI em duas jovens mulheres, de 21 anos e
de 15 anos, que desenvolveram a doença após a 2ª
e a 3ª dose da vacina recombinante contra hepatite B, com período
de latência de 4 e 3 semanas respectivamente. Ambas sem história
de infecção prévia e a utilização
de medicamentos.
Em 1995, Meyboom et al.()
reportaram 28 casos de trombocitopenia após vacina de hepatite
B (recombinante e não-recombinante), dos quais somente 8
mostraram possível relação com a vacina. O
tempo de latência variou de alguns dias até 2 meses.
Recentemente, em 1998, mais dois artigos sobre PTI após
vacinação contra Hepatite B foram publicados. Ronchi
et al.()
relataram 3 casos de PTI após a 1ª dose da vacina recombinante
contra Hepatite B em crianças abaixo de 6 meses de idade,
nas quais o período de latência variou de 1 a 4 semanas.
Neau et al.()
demonstraram sete casos (quatro homens e três mulheres) que
desenvolveram trombocitopenia, em média, sete semanas após
terem recebido a vacina recombinante de Hepatite B.
Neste caso, não havia história de infecção
prévia e de uso de drogas. As sorologias da mãe e
da criança estavam negativas. A criança desenvolveu
petéquias um mês após ter recebido a 1ª
dose da vacina contra Hepatite B. No exame de admissão a
pancitopenia poderia sugerir outras patologias como leucose ou aplasia
de medula. O mielograma realizado demonstrou hematopoiese normal
e aumento de megacariócitos, sugerindo o diagnóstico
de PTI. Não foi realizado teste de anticorpos anti-plaquetas,
o qual é considerado desnecessário por alguns autores
no diagnóstico de PTI1,2. No 3º dia de internação,
as plaquetas haviam caído para 12.000/mm³, sendo, então,
indicado tratamento com imunoglobulina endovenosa. O que se observa
na literatura é um consenso em tratar crianças com
plaquetas abaixo de 20.000/mm³, para prevenir sangramentos
graves como o intra-craniano(,).
Tanto o corticosteróide quanto a imunoglobulina diminuem
o tempo de plaquetopenia().
Alguns autores, como Davis e Raffles(),
administram imunoglobulina endovenosa em contagem de plaquetas <20.000/mm³,
mesmo em crianças com poucos sintomas, pois acreditam que
os efeitos colaterais da imunoglobulina são poucos em relação
aos riscos de hemorragias graves pela plaquetopenia. O tratamento
com imunoglobulina melhora a plaquetopenia em 2 dias na média,
variando de 1 a 34 dias().
Após 2 dias de tratamento, as plaquetas já estavam
em 311.000/mm³. Esta boa resposta ao tratamento com imunoglobulina
endovenosa também sugere o diagnóstico de PTI().
Após 1 mês, a criança foi reavaliada, mantendo-se
assintomática. Apenas 3 a 5% dos casos tornam-se crônicos,
sendo a maioria crianças com mais de 7 anos de idade, e raramente
em PTI pós-infecciosa.()
Trata-se, provavelmente, de mais um caso de PTI induzido pela vacina
de Hepatite B. Os efeitos colaterais após a vacina de Hepatite
B são estimados em 1 caso para 100.000 doses administradas().
A vacina de Hepatite B tem uma boa eficácia, e seus efeitos
adversos, inclusive a PTI, não devem colocar sua utilização
em questão.
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